O ano passado parti para Angola como voluntária para ficar 6
meses em missão com as Irmãs Franciscanas de Maria.
Um sonho, que tinha desde os meus 6 anos. Realizou-se!
Encontrei África como tinha imaginado, desde que vi os
diapositivos do Congo dos anos 50-60, que as Irmãs Missionárias da minha escola
primária nos mostraram, quando estavam de visita na Bélgica
A Ana (outra missionária) e eu chegámos em Luanda e logo a vida Africana nos
fascinou: as ruas cheias de carros, candungeiros, homens de motocicletas a
manobrarem entre as filas, mulheres em panos coloridos carregadas das mais
diversas mercadorias empilhadas por cima das cabeças e com bebés às
costas, senhoras vendedoras à beira das estradas e muitas, mesmo muitas
crianças.
Uma cidade cheia de vida, onde o contraste entre ricos e pobres é enorme.
Após
tratarmos dos nossos documentos, e após nos despedirmos de todas as Irmãs
queridas na casa-mãe, continuámos a nossa viagem até ao nosso destino,
Cangumbe, no meio dos planaltos da província de Moxico, a 80Km de Lwena, a
cidade mais perto.
Fui a Lwena várias vezes, para levar a Ana ao aeroporto, fazer
compras, telefonar e mandar e-mails para a família, bem como para dar um curso
de Reflexologia dos Pés.
Cangumbe, uma terra parada no passado, onde os vestígios da guerra ainda estão
muito presente.
Em Cangumbe, colocaram-nos logo em contacto com o
Administrador e a Directora do Centro de Saúde. O nosso trabalho começou!
A Ana deu explicações aos adultos da paróquia e deu paletras sobre nutrição,
para melhorar a alimentação da população de lá, que em geral só come «
funge» (papa de mandioca) e explicou a importância das vitaminas e outros
elementos tão necessários para ficar saudável. Como nem todas as pessoas percebiam
o Português, um dos enfermeiros fez a tradução em Tchokwé, o dialecto local.
Muitas pessoas fugiram da guerra e viveram muitos anos na floresta. Agora, 10
anos após a guerra acabar, começam a voltar para a cidade.
Em Cangumbe e à sua volta há muitos «bairros», onde as casas são feitas
com paus e lama à maneira antiga. Cada aldeia tem um «Soba» (chefe), que em
ocasiões oficiais veste um uniforme bege.
Durante
a semana, quase todos os adultos estão a 12 Km de Cangumbe, nas suas hortas ao
pé do rio, onde permanecem a semana toda (pois era tempo de chuva). Levam
consigo os bebés que ainda mamam e os filhos mais grandes para os ajudar.
Poucos
adultos ficam na aldeia, e vi muitas crianças de 6-8 anos a cuidar dos seus
irmãos mais novos, a semana inteira. Eles tinham que se governar este tempo
todo com o funge que a mãe deixava. Muitos deles tinham fome. Por isso, retiravam
constantemente com pedras e paus, as mangas verdes das árvores enormes que
estavam carregadas de fruta.
Estavam
sempre muito felizes quando os pais voltaram ao fim da semana para celebrar a
missa de domingo. Duas vezes por semana passava o comboio, ambas as vezes sobrecarregada
de gente e mercadorias.
Nessas
ocasiões, toda a população de Cangumbe estava presente na estação, pois era o
maior acontecimento da semana.
Crianças, jovens e mães vendiam mel selvagem, hortaliças e frutos dos bosques.
Um vai-vem vivo e alegre, um ambiente de festa: pessoas a abraçar membros de família que não viam há
muito tempo, pessoas que iam ou voltavam do Hospital em Lwena, policias e
soldados da tropa que iam substituir outros que voltavam aos seus lugares de
origem, etc...E depois, toda esta gente ia voltar ao seu dia a dia, enquanto o
comboio se afastava no horizonte.
Entretanto, o meu trabalho incidiu no Centro de Saúde, onde deu massagens e
Reflexologia dos pés aos utentes, que às vezes tinham caminhado toda a noite
através da floresta, para chegar de madrugada. A maioria vinha acompanhado de
toda a família, para lhes fazer comida e lavar a roupa.
Às vezes os quartos eram cheios de doentes com malária ou
outros doenças. Surgiu uma situação de surto de tosse convulsa, e a farmácia
nem sempre dispunhados medicamentos adequados, mas os enfermeiros fizeram
sempre o que podiam. Se era um caso grave, uma ambulância levava-os até Lwena. Também
realizei visitas ao domicílio, nas suas « jangas».
Outra das actividades foram as lições de costura, onde os rapazes se
destacaram.
Quando souberam que íamos fazer uma «pasta/mala», a sala de trabalho tornava-se
rapidamente pequena demais, tantos interessados havia.
Muitos
deles traziam os seus irmãos mais pequenos, estes metiam-se em baixo das mesas
com papel e lápis de cor e faziam desenhos maravilhosos, que orgulhosamente
levavam para casa.
Nas lições de Inglês, tínhamos o Administrador, o seu
secretário, o chefe da tropa, um polícia, alguns catequistas e as Irmãs como
alunos.
As massagens, foi outras das atividades realizadas,
contudo as mães, devido ao trabalho nas hortas, não conseguiram aprender, com
muita pena sua. Só os enfermeiros, um policia e uma leiga aprenderam esta
técnica e como foi um grupo muito ligado, dei continuidade ao trabalho.
Tive a sorte que o Bispo de Lwena nós visitou, que organizou um curso de
Reflexologia dos Pés, em Lwena, em 4 Centros que promoviam a Medicina
Natural. Este grupo aprendeu com facilidade esta técnica eficaz na manutenção
da saúde e praticámos logo nos 4 centros.
De volta
em Luanda, muitas Irmãs também aprenderam a Reflexologia com muito entusiasmo.
Durante
estes 6 meses, estive acompanhada com Irmãs e a sua Vida Religiosa, outra
experiência nova para mim, e com respeito e agradecimento lembro-me o
acolhimento caloroso no seu seio. Claro que, também existiam alguns momentos de
tensão, pois somos todos seres humanos, mas também somos todos seres de boa
vontade e acreditamos em Deus, Nosso Senhor, e como tal as coisas resolviam-se.
Aprendi várias coisas sobre mim próprio e evolui!
Vi coisas muito bonitas que me exaltaram e colocaram lágrimas nos olhos, como na
igreja e eventos sacras, cheios de pessoas de boa vontade; as cantigas,
mesmo quando nem todos cantavam no mesmo octavo, soavam divinas e sobiam
directamente para o céu!
As crianças, com olhos brilhantes e sorrisos largos ; as pessoas indígenas
que me adoptaram como um dos seus; o ritmo, a dança, a alegria; a
natureza em seu esplendor, tudo isto presentes de Deus.
Espero de todo o meu coração que o mundo se torne um lugar
equilibrado onde todos podem viver em paz as suas vidas e criar as suas famílias
em alegria.
Obrigada a todas!
Estamos juntos, sim, Senhor.
Els Claes (Missionária Leiga das FMM)